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DA ANUÊNCIA DO CÔNJUGE NO AVAL EM OPERAÇÕES COM TÍTULOS DE CRÉDITO EM GARANTIA

A ausência de autorização conjugal, pode, em alguns casos, resultar na

incapacidade de cobrar o avalista, e ou de anulação ou invalidade do aval prestado

pelo outro cônjuge, ou, ainda, em afastar a constrição sobre a meação do cônjuge

que não participou do contrato e não firmou ou autorizou o aval.


Dúvidas e interpretações contraditórias surgiram por ter o Código Civil inserido em

seu texto, na parte que trata do Direito de Família, uma regra sobre Direito Cambial.


Sem dúvida infeliz a inserção de regra Cambial em Título do Código Civil de 2002

que trata de tema tão díspar, como o Direito de Família.


Vejamos o texto do Código Civil:


Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem

autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:


….


III – prestar fiança ou aval;


Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um

dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.


Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647),

tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até

dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.


Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento

público, ou particular, autenticado.


Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem

consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem

cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.


Como visto, pelo texto expresso no art.1.650 do Código Civil, só o cônjuge daquele

que prestou o aval, ou seus herdeiros, tem legitimidade para demandar a invalidade

do aval; não admitido a terceiros alegar.


Tem-se, em consequência, que o aval sem a autorização do cônjuge do avalista não

é nulo de plano, mas sim, que poderá ter sua validade impugnada pelo cônjuge que

não firmou o título, sendo caso de anulabilidade; tanto que o cônjuge poderá anuir,

autorizar, a posteriori. E o poderá fazer, conforme previsão do art.1.649 da mesma

legislação civil codificada, por declaração em instrumento público ou mesmo por instrumento particular, neste caso exigido o reconhecimento de firma em cartório, da

assinatura.


Destaca-se, que o Art.1.647 do Código Civil de 2002 traz expresso o termo

“autorização”, e não procuração ou qualquer outra forma instrumental.

Referido texto do Código Civil, inserido no Título do Direito de Família, demonstra

que a finalidade perseguida pelo legislador foi resguardar o patrimônio da mulher

casada, preservando a sua meação. Impediu assim que cobranças ajuizadas contra seu marido, de dívidas não efetivadas em proveito da família, venham atingir a sua meação. Para tanto, o legislador colocou à disposição da mulher casada mecanismos legais, para em caso da mulher se ver na iminência de perder o controle patrimonial dos bens adquiridos

pelo esforço comum, possa fazer valer a lei defendendo a sua meação contra a ação

dos credores que inadvertidamente não exigiram sua autorização expressa.


Contudo, chamamos a atenção para o fato de que a ausência de outorga uxória, não

tem o condão de tornar nula a garantia em relação a quem a prestou, mas apenas

impede que o cônjuge que não anuiu seja responsabilizado, com sua meação no

patrimônio do casal, por dívida com a qual não consentiu; não autorizou.


Previu o legislador civil, com tais medidas, limitações legais ao poder de

administração dos cônjuges sobre o patrimônio comum, visando equilíbrio e

segurança à sociedade conjugal e ao patrimônio familiar.


Não se descuidou o legislador, contudo, de manter as premissas que visam

preservar a boa-fé nas relações contratuais, em especial a função social dos

contratos.


O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na “I Jornada de

Direito Civil”, aprovou enunciado n.114:


” caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu com a

garantia O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o

inciso III do art. 1.647 apenas prestada.”


Entre os ensinos doutrinários que formaram as justificativas da expedição do texto

do referido enunciado, resta claro a preocupação de que o legislador Civil não

poderia desconsiderar os princípios regrados na Lei Uniforme e na legislação

cambial, destacando-se:


“Exigir anuência do cônjuge para a outorga do aval é afrontar a Lei Uniforme de

Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a

circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois não se

pode esperar que, na celebração de um contrato corriqueiro, lastreado em cambial

ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e

da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens”.


Os requisitos do aval em nota promissória estão previstos na Lei Uniforme de

Genebra (art. 31), à qual o Brasil aderiu (Decreto 57.663/66), e dentre eles não

consta a obrigatoriedade da outorga conjugal para sua validade.


No mesmo sentido veio a regulamentação do art. 898 do atual Código Civil, instituído

pela Lei n.10.406 de 10/01/2002:


“Art.898. O aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título.


§1º Para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples assinatura

do avalista.


§2º Considera-se não escrito o aval cancelado.”

Merece destaque a previsão do Código de Processo Civil de 2015, no texto do seu

artigo 843, ao tratar da penhora e consequente leilão de bens indivisíveis, onde há

expressa proteção legal à cota parte do coproprietário e ou à meação do cônjuge,

quando não são devedores.


Embora o legislador não proíba a venda judicial do bem indivisível, veio assegurar

sua cota parte no resultado da arrematação, e mais, garantiu seu direito em

percentual que incide sobre o valor da avaliação judicial do bem indivisível, e não do

valor da arrematação que, em segundo leilão pode chegar a 50% do valor da

avaliação oficial.


“Art.843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do

coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do

bem.


§ 1º. É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na

arrematação do bem em igualdade de condições.


§ 2º. Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o

valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução,

o correspondente à sua quota-parte calculada sobre o valor da avaliação.

Contudo, a obrigatoriedade, ou não, de outorga uxória, ou marital, para o instituto do

AVAL exige ser analisado em face da espécie do título de crédito, se Título de

Crédito Atípico ou Título de Crédito Nominal, Típico; visto a evidente discrepância

da regulamentação do Código Civil em face da previsão da LUG – Lei Uniforme de

Genebra e da legislação especial que regem os títulos de crédito.


Regulamentando o tema, o eg. Superior Tribunal de Justiça, por sua Quarta

Turma, no julgamento do Recurso Especial – REsp.1.633.399/SP, de relatoria do

Ministro Luis Felipe Salomão, publicado DJe.01/12/2016, dirimiu divergências que

vinham ocorrendo na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais, e até mesmo no

seio do STJ, quanto a extensão do conteúdo da regulamentação do Código Civil ao

impor a obrigatoriedade da outorga uxória no AVAL, e seus efeitos, ante a

discrepância desta regulamentação em face da previsão da LUG – Lei Uniforme de

Genebra e da legislação especial que regem os títulos de crédito.


Válido destacar dos fundamentos do referido Acórdão, proferido no Recurso

Especial n.1.633.399/SP:


“1…..


2. Diversamente do contrato acessório de fiança, o aval é ato cambiário unilateral,

que propicia a salutar circulação do crédito, ao instituir, dentro da celeridade necessária

às operações a envolver títulos de crédito, obrigação autônoma ao avalista, em benefício

da negociabilidade da cártula. Por isso, o aval “considera-se como resultante da simples

assinatura” do avalista no anverso do título (art. 31 da LUG), devendo corresponder a ato

incondicional, não podendo sua eficácia ficar subordinada a evento futuro e incerto,

porque dificultaria a circulação do título de crédito, que é a sua função precípua.


3. É imprescindível proceder-se à interpretação sistemática para a correta compreensão

do art. 1.647, III, do CC/2002, de modo a harmonizar os dispositivos do Diploma civilista.

Nesse passo, coerente com o espírito do Código Civil, em se tratando da disciplina dos

títulos de crédito, o art. 903 estabelece que “salvo disposição diversa em lei

especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código”.


4. No tocante aos títulos de crédito nominados, o Código Civil deve ter uma aplicação

apenas subsidiária, respeitando-se as disposições especiais, pois o objetivo básico da

regulamentação dos títulos de crédito, no novel Diploma civilista, foi permitir

a criação dos denominados títulos atípicos ou inominados, com a

preocupação constante de diferençar os títulos atípicos dos títulos de crédito

tradicionais, dando aos primeiros menos vantagens.


5. A necessidade de outorga conjugal para o aval em títulos inominados – de livre criação

– tem razão de ser no fato de que alguns deles não asseguram nem mesmo direitos

creditícios, a par de que a possibilidade de circulação é, evidentemente, deveras mitigada.


A negociabilidade dos títulos de crédito é decorrência do regime jurídico-cambial, que

estabelece regras que dão à pessoa para quem o crédito é transferido maiores garantias

do que as do regime civil.


6. As normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra

de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam

vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de

2002, por força do art.903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma

civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos

ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os

títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se

enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil.


7. Recurso especial não provido.”

Em suma, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a jurisprudência dos Tribunais

Estaduais e Federais quanto aos efeitos da outorga uxória no aval, estabelecendo

que, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 passou a existir uma dualidade

de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados que continuam a

ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou

inominados estão subordinados às normas do Código Civil de 2002, desde que se

enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil.


Destacou-se a importância dos títulos de crédito para o comércio jurídico, apontando

suas características próprias, como a cartularidade (literalidade), a autonomia e

a abstração, bem como os demais institutos cambiários típicos, tal qual o aval e

o endosso, que distinguem o direito cambiário.


Características típicas que buscam garantir segurança jurídica aos

títulos de crédito, tornando-os mais atrativos e favorecendo a concessão de crédito,

fundamental para o desenvolvimento da atividade empresarial.


O aval é declaração unilateral de vontade do avalista em garantir o pagamento do

valor inscrito no título, sendo instituto comercial lançado apenas em títulos de crédito,

diferentemente da fiança, que é contrato e poderá ser celebrada em relação a

qualquer negócio. A submissão da validade do aval à outorga do cônjuge do


avalista compromete a circulação dos títulos de crédito.


O portador do título de crédito em circulação, em regra, sequer teve contato com os

avalistas (devedores solidários com os endossantes) na cadeia de endossos na

circulação da cártula, assim, a teor do Art.32 da LUG, eventuais alterações materiais

ou pessoais não geram sua desoneração, remanescendo a obrigação cambial do

avalista ainda que nula a obrigação principal (à exceção de nulidade por vícios

formais no título).


Como visto, a interpretação do art. 1647, inciso III, do Código Civil que concilia com

o instituto cambiário do aval, e às peculiaridades dos títulos de crédito, é a de que

as disposições do referido dispositivo tem aplicação apenas aos avais prestados nos

títulos de crédito regidos pelo próprio Código Civil – os Títulos de Crédito Atípicos,

não se aplicando aos títulos de crédito nominados – os Títulos de Crédito Típicos

regrados pelas leis especiais, pois as características do direito cambiário não

preveem semelhante disposição, ao contrário, estabelecem a sua independência e

autonomia em relação aos negócios subjacentes. //Jurandyr Souza Junior

Consultor Jurídico da ACREF PR e SINFAC PR.

Advogado – OAB/PR.76683 – 1ª.OAB/PR 8491


Consultor Jurídico – Parecerista – Professor Pós-Graduação


Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná

sócio de PENNACCHI SOUZA Sociedade de Advogados – OAB/PR 5952

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